Na construção do conhecimento histórico temos como
pressuposto básico uma pergunta norteadora para a pesquisa, cujos
desafios são inúmeros e perpassam pelo acesso às fontes históricas, bem
como o domínio de técnicas adequadas para análise de cada vestígio. Em
tempos de pandemia, as dificuldades no ato de pesquisar se multiplicam, ante a
impossibilidade do manuseio presencial das fontes. Situação esta que compromete
grande parte do planejamento incialmente elaborado, além de exigir adaptações,
uma vez que os esforços se direcionam, portanto, aos acervos digitais.
Esse tem sido o panorama atual do PET História
UFTM, tendo em vista que, em meio à pesquisa sobre a história de Peirópolis,
tivemos de suspender nosso trabalho de análise de fontes físicas no Arquivo
Público de Uberaba e acervo da Associação de Amigos e Moradores de Peirópolis,
entre outras fontes, as quais estavam em fase de execução ou organizadas para
ocorrer ao longo de 2020.
Foi preciso refazer nosso planejamento, realizar
reuniões de estudos por meio do ambiente virtual e priorizar o trabalho de
pesquisa às fontes digitais, o que propiciou a continuidade das atividades de
todo o Grupo Tutorial. De acordo com o recorte temporal e espacial da pesquisa
– Peirópolis, a Paineiras da segunda metade do século XIX ao século XX –
remanejamos o arcabouço de fontes históricas para as documentações disponíveis
digitalmente no Arquivo Público de Uberaba e outras plataformas. Alguns dos
vestígios selecionados já em fase de leitura foram as Atas da Câmara Municipal
de Uberaba – digitalizadas até 1900; o Jornal Lavoura e Comércio; os relatórios
da Companhia Mogiana e os Almanaques Uberabenses. Mais que isso, o grupo reuniu
palavras chave da pesquisa para levantar em outros acervos digitais
alguma fonte histórica que enriqueça a pesquisa.
Porém, neste novo contexto nos defrontamos com
novos desafios, especialmente relacionados com a escassez de fontes digitais
referentes ao tema de pesquisa. Sendo assim, é impossível não pensar nas
provocações que o teórico da História Marc Bloch nos faz há meio século em seu
Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Para Bloch (2001), existem
fatores que impossibilitam o acesso às fontes e, consequentemente, inviabilizam
pesquisa, como os desastres naturais que destroem vestígios, os documentos
sigilosos e a negligência. Apesar de vários órgãos disponibilizarem
documentos históricos em plataformas digitais, via de regra trata-se de uma
parte do material disponível para pesquisa presencial. Isto nos faz refletir
sobre a importância de maiores investimentos na ampliação dos acervos
digitais e evitar, assim, a negligência com a documentação e, quiçá, o
esquecimento. De tal modo que os benefícios vão muito além do panorama atual -
em que necessitamos nos manter em isolamento social - uma vez que estariam à
disposição de todos os pesquisadores conectados à rede mundial de computadores.
Diante deste cenário, é imprescindível pensar no ofício
dos historiadores do século XXI e seus inúmeros desafios, como a regulamentação legal da profissão no Brasil, um pressuposto básico, o qual depende da derrubada do veto presidencial à lei que disciplina a atuação dos profissionais que têm por objeto o estudo do ser humano ao longo do tempo, conforme apontado pela Associação Nacional de História (clique aqui).
A ampliação das possibilidades de atuação a partir dos desafios vivenciados atualmente perpassa pela compreensão de que os documentos em plataformas digitais são
ferramentas de trabalho que possibilitam maior aporte de vestígios a serem
cruzados, seja de acordo com a tipologia de fontes, seja por recorte temporal,
seja por tema etc. Tudo isso sem a demanda do deslocamento espacial e, no
presente momento, do isolamento social.
Como e onde buscar? Os acervos têm manuais de uso?
A documentação é de acesso público ou restrito? Como lidar com o documento
digitalizado? Como referenciar as fontes disponíveis online? As palavras chave
escolhidas filtram a pesquisa nos campos de busca do acervo? Trocaremos
transcrições por prints e downloads? Um belo zoom na imagem substituirá uma
lupa? As telas touch screen nos livrarão das luvas? São muitas questões... Nos
parece, mais do que nunca, que ilustramos a máxima de Bloch que nos diz que “a
História não é apenas uma ciência em marcha”(p.47), ou seja, em constante construção;
não está pronta, acabada. “É também uma ciência na infância” (p.47), pois
precisamos, como uma criança que apreende o mundo ao seu redor e lida com ele,
deixar em quarentena os historiadores de arquivo, amantes de papeis e poeira,
para fazer nascer os historiadores digitais, dos acervos online e ambientes
virtuais.
Referência:
BLOCH,
Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Zahar,
2001. 159p.