A Estação Paineiras e o fatídico acidente de trem em 1970



O bairro rural de Peirópolis tem sua história marcada não apenas pelos fósseis, mas antes disso pelo calcário. A extração, beneficiamento e comercialização do calcário foram uma das principais atividades econômicas que moldaram a constituição do bairro rural do município de Uberaba.
A Estação Ferroviária, que naquele momento era denominada Paineiras e integrava a Cia. Mogiana, teve função complementar a economia e cultura daquele lugar, tendo chegado na região em 1889, trazendo consigo os ares do progresso não só para o  bairro como também para a cidade. Visto que, além do escoamento da cal até São Paulo, a ferrovia também era utilizada como meio de transporte pelos moradores da região.
Durante o século XIX as ferrovias andaram juntas ao capitalismo e a modernidade. Dispor de ferrovias era premissa para a ampliação e porta de acesso ao mundo moderno. Os trens transformaram a ideia de agilidade, deslocamento e de distância, as estações eram o centro de uma nova vida urbana (mesmo estando localizadas em sua maioria em bairros rurais), e as estradas de ferro aqueceram, as comunidades e localidades agrícolas.

A fim de pensar a relevância da Estação e as motivações para que fosse desativada, mais uma vez, o PET História se debruçou sobre as Fontes Históricas. Encontradas em reportagem do Jornal Lavoura e Comércio e obtidas através de entrevistas realizadas no bairro com alguns dos moradores. Desta forma, cruzando fontes documentais e orais.
A reportagem que nos fez lançar um olhar especial para a estrada de ferro é intitulada Desespero e morte na “Serra dos Dourados” e  foi publicada em 28 de dezembro de 1970. Nesta fonte documental há a narrativa de um acidente com um trem da Companhia Mogiana, que descarrilou na Serra dos Dourados, transportando 95 passageiros, sendo que a maioria deles estaria indo a um casamento.
Além de passageiros, o trem que era composto por cinco vagões também estava levando um carregamento de cimento. Os fatos foram obtidos através de entrevista feita com um ferroviário que estava como passageiro e conseguiu sobreviver. Contudo, o número de mortos foi bem alto à ponto de marcar a História da região.


Fotografia de um trecho da reportagem do Jornal Lavoura e Comércio. Acervo PET História . 2018

De modo infeliz, tivemos acesso a apenas uma parte desta reportagem, no entanto, os desafios com as fontes ou a falta delas sempre fez parte do ofício do(a) historiador(a). Deste modo, coube a nós encontrar alternativas para solucionar nossas hipóteses. Recorremos então ao nosso acervo de entrevistas realizadas com os moradores do bairro, e em algumas delas encontramos relatos de como tal acidente afetou a região. Desta forma, sendo possível o cruzamento de informações.
A Estação ferroviária integra uma das memórias (saudades) de Peirópolis. Todo morador tem ao menos algum causo para contar sobre como era a vida na época da Estação. Um desses causos, é o fatídico acidente que levou a óbito vários moradores daquela região.

“Nós andamos muito na ferrovia. Minha mãe morreu nesta ferrovia tem uns, ahh, uns 45 anos que ela pegava aqui a ferrovia e ia Jaguara, passava aqui e ia pra Jaguara e ela foi pra Conquista, na casa da tia dela, e antes de chegar na Conquista, na Guaxima, o trem estragou. E o trem parou, tava cheio de gente, dois vagão de cimento na frente e dois de gente atrás, porque o povo que la ia pra Conquista ia no casamento, certo? E aí a máquina parou, dizem que o maquinista foi tentar dar um tranco nela, ai tinha muitas pessoas, até meu cunhado, irmão dela aí [Márcia] desceu, e os que não desceram do trem, o trem voltou, ai deve ter voltado uns 2 quilômetros né, Marcio? Eh, voltou e foi capotando e caiu dentro do Dourado, entournou o cimento e matou o povo quase tudo, a máquina veio e passou por cima daquilo tudo [incompreensível] e caiu dentro do Dourado. Foi uma coisa horrível”. (NAZIR)

“Olha eu me lembro da minha mãe contar, que naquela época eu era muito pequena, não sei se foi em 73 ou 74 que isso aconteceu, e falar de, por exemplo, a mãe do meu tio faleceu na época, nesse desastre, isso assim contando e a gente ficava colocando aquilo como uma coisa muito triste. Parece que uma noiva ia no [incompreensível] para Conquista que tinha um casamento lá” [...]. (SHEILA)


 Através dessas fontes orais, pudemos obter relatos mais detalhados do que de fato teria acontecido. Percebe-se nas memórias que a maioria dos moradores sabem do ocorrido a partir do que lhes foi contado desde a infância, e que o desastre afetou em algum grau, a vida de todos. Outra memória bastante latente deste período é que pouco tempo após o acidente, a Cia. Mogiana encerrou suas atividades na Estação de Peirópolis, e as motivações para isso, deixam dúvidas.

“Não, a gente não sabe se foi por causa do acidente, que teve uma indenização, viu menina, porque ficou muito caro pra companhia, viu menina? Eu não sei se a margem de lucro tava sendo muito pouco, aí eles pegaram e fecharam. Ai dessa época pra cá passava o ônibus aqui, mas era estrada de terra, aí depois fez o asfalto e eliminou tudo isso aqui. Mas,duns tempos pra cá, tá ficando bão” [...]. (NAZIR)

Após o acidente, há relatos de que mesmo após o reparo dos trilhos, as pessoas estavam com muito receio em usar o trem como meio de transporte. Ademais, pelo datar do ocorrido, pode-se inferir que o transporte ferroviário já não era mais tão usual como no fim do século XIX. As estradas de terra já estavam passando por processo de pavimentação e isso possibilitava o trânsito de automóveis em regiões que antes só os trilhos da ferrovia tinham acesso.

Contudo, todo este trabalho com os vestígios encontrados a partir de relatos e reportagem, objetiva tornar pública uma História que possivelmente fora o estopim do findar da atividade ferroviária em Peirópolis. Na maioria das vezes vista como pacata e um local para lazer, Peirópolis também esconde alguns mistérios. E para que tais acontecimentos como este  não se percam no tempo, é necessário o registro e a publicização da História.

REFERÊNCIAS

Acervo do Jornal Lavoura e Comércio. Disponivel em: Arquivo Público de Uberaba.

GIESBRECHT, Ralph Mennucci. Estações ferroviárias, 2020. Cia. Mogiana de Estradas de Ferro (1889-1972). Disponível em: http://www.estacoesferroviarias.com.br/mogiana_triangulo/peiropolis.htm. Acesso em: 19 abr. 2020.