Ao
analisar os debates sobre Fontes Históricas nos deparamos com diversas formas
de se construir a História. As fontes são todo e qualquer vestígio deixados
pelos homens e mulheres ao longo do tempo, e segundo o historiador Marc Bloch: "Tudo
que o homem faz, toca e sente é história".
Para ilustrar um
pouco do trabalho do jornal como fonte histórica, selecionamos o Jornal Lavoura
e Comércio. Ele é um vestígio sobre o qual nos debruçamos em nossa pesquisa
sobre Peirópolis. Este periódico circulou em Uberaba e região de 1899 até 2003.
Inicialmente, era editado por um grupo de agropecuaristas e, em seguida, pela
família de Quintiliano Jardim até o encerrar das atividades. Além da grande
circulação e de ser editado por mais de um século, o jornal está disponível
para acesso público em formato digital, de 1899 até 1943 e as edições
posteriores podem ser manuseadas presencialmente no Arquivo Público de Uberaba.
Exemplar
do Lavoura e Comércio que traz uma publicidade da empresa de Frederico Peiró
(sem data).
Impressora no prédio
abandonado do Lavoura e Comércio (2012).
Fonte: https://jmonline.com.br/novo/?colunas,28,FATOS+%26+FOTOS,23/04/2012
Prédio que abrigava o Jornal Lavoura e Comércio na Rua Manoel Borges em Uberaba.
Fonte:https://www.zebunarede.com/2015/10/curiosidades-de-uberaba.html?m=1
Acervo Online do Jornal Lavoura e Comércio Disponivel em:http://www.codiub.com.br/lavouraecomercio/pages/main.xhtml
Prédio que abrigava o Jornal Lavoura e Comércio na Rua Manoel Borges em Uberaba.
Fonte:https://www.zebunarede.com/2015/10/curiosidades-de-uberaba.html?m=1
A
reportagem a ser analisada data de 19 de dezembro de 1915 e trata da morte e
homenagem póstuma ao imigrante espanhol Frederico Peiró (1859-1915), que chega
ao Brasil no fim do século XIX. Período em que o país teve uma transição da mão
de obra de negros escravizados para a mão de obra livre e a mudança do sistema
político monárquico para o republicano. Neste contexto, as teses racialistas de
branqueamento da população eram transformadas em políticas públicas que
incentivaram a imigração massiva de europeus.
Os historiadores precisam
observar sua fonte no que chamamos de análise
externa e interna, ou seja,
averiguar sua forma e conteúdo. Quanto à forma, é necessário levantar dados como: periodicidade das edições,
quantidade de páginas, autores e produtores, onde circulou, etc. Assim, esta
publicação nos mostra que o periódico em 1915 já é da família de Quintiliano
Jardim; é editado três vezes por semana e possui para cada edição, quatro
páginas. Aqui, podemos conjecturar o quão dispendioso seria a impressão de
jornais naquele momento e, consequentemente, o custo para publicar um anúncio
ou propaganda.
A análise interna ou do conteúdo
propriamente dito, ela também será permeada de questões, como: do que fala, de
quando fala (data), por quê fala (que tipo de publicação: anúncio, crítica,
propaganda, etc), quem fala e como fala. A fonte aqui analisada fala: A memória benemérita de Frederico Peiró
e foi publicada dia 19 de dezembro de 1915, narrando, todavia, das notas de
falecimento de Peiró (outubro de 1915) e a homenagem a ele organizada (novembro
de 1915). A publicação não possui uma autoria e exalta a personalidade
benevolente e empreendedora do espanhol.
Lavoura e Comércio, 19 de dezembro de 1915.
Lavoura e Comércio, 19 de dezembro de 1915.
Disponível em: http://www.codiub.com.br/lavouraecomercio/pages/edicoes.xhtml;jsessionid=636CC2806EA90DA1BBA94BAF5276F74B
Uma leitura comum demonstra o carinho e reconhecimento
do homenageado como um promotor para o progresso da vida moral e material na
cidade de Uberaba. Ele é conhecido como
fundador do bairro rural de Peirópolis
que recebe tal nomenclatura em sua homenagem. E participou ativamente no processo
de povoamento e modernização da então Estação
Paineiras. Destas melhorias, o jornal ressalta além do progresso econômico,
o investimento humano como a conquista de uma escola para o bairro em 1910 e
que permanece na atualidade sob gestão municipal.
Porém, o confiar-desconfiando é um exercício necessário aos historiadores. Há silêncios, lacunas e subentendidos que precisam de atenção. Um detalhe que pode passar despercebido é que as homenagens prestadas falam do trabalho incansável de Peiró, porém, sua aproximação e propagação do espiritismo bem como das farmácias homeopáticas aparecem em pequenos paragrafos no rodapé do jornal.A palavra espirito e o espiritismo aparecem pouquissimas vezes.
Trecho da publicação que demonstra a conquista de uma Agência de Correios para Paineiras para circulação de informação e os auxiliares de Peiró que também são imigrantes. |
Nestes parágrafos, é possível reconhecer o apogeu do progresso econômico de Paineiras e a conquista da escola para o bairro. |
Porém, o confiar-desconfiando é um exercício necessário aos historiadores. Há silêncios, lacunas e subentendidos que precisam de atenção. Um detalhe que pode passar despercebido é que as homenagens prestadas falam do trabalho incansável de Peiró, porém, sua aproximação e propagação do espiritismo bem como das farmácias homeopáticas aparecem em pequenos paragrafos no rodapé do jornal.A palavra espirito e o espiritismo aparecem pouquissimas vezes.
Rodapé do jornal que
trata de Peiró e o Espiritismo na região
Sabemos que o Brasil é uma nação de formação cristã católica e manifestações
espiritualistas não eram bem recebidas naquela época. Uma notícia ao fim da homenagem narra como um
grupo de jornalistas do Rio de Janeiro criou um ambiente espiritualista de
consultas e leituras de cartas em troca de dinheiro, de modo a provar como tais
práticas são conto do vigário e
causam sofrimentos morais.
Notícia que trata das
ciências ocultas como conto do vigário
Assim, esta foi uma
demonstração rápida do trabalho de pesquisa com jornais que o PET História usa
para reconstruir a História de Peirópolis e utiliza redes sociais, como Instagram e Facebook, para apresentar as ações e produções realizadas. Tais
iniciativas são consideradas uma das diversas maneiras de se fazer História,
sobretudo, diz respeito a um campo em constante ascensão da História na última
década: A História Pública.
Ela procura dar conta, de
uma forma ampla, das relações e do diálogo entre a produção acadêmica e não
acadêmica do conhecimento histórico. O diálogo entre a universidade e outros
espaços de elaboração de conhecimento histórico que a história pública propõe
implica necessariamente uma reflexão sobre o lugar da História e dos diversos
profissionais que atuam com esses saberes. Este post procurou, dentro desta
ideia da discussão de História Pública aliada à pesquisa do PET História sobre
Peirópolis, demonstrar o trabalho com fontes históricas e os métodos utilizados
pelos historiadores para reconstruir uma História do Público e para o público.
REFERÊNCIAS
BACELLAR, C. Uso e mau uso dos
arquivos. In: PINSKY, C. B. Fontes Históricas. 3ed. São Paulo: Contexto,
2018. p. 23-79.
BLOCH, M. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. |
Acervo Online do Jornal Lavoura e Comércio Disponivel em:http://www.codiub.com.br/lavouraecomercio/pages/main.xhtml